Olá!
Sr. Fernando, meu veículo foi autuado nos
anos de 1998 até 2000 por diversas infrações. Por problemas mecânicos (e por falta
de dinheiro para arrumá-lo), permaneceu parado até 2008, quando resolvemos consertá-lo
e licenciá-lo. Isso foi feito em 2008, 2009 e 2010, sem que fosse preciso pagar
aquelas multas de 1998/2000, pois não apareciam nos cadastros do DETRAN e dos
Bancos. Porém, neste ano de 2011, ao tentar licenciá-lo, fomos surpreendidos
pela cobrança daquelas multas. Dúvida: as multas não estão prescritas?
(dúvida postada por Fabiana)
Fabiana!
Essa é uma dúvida que atormenta muitos
proprietários de veículos, que sempre questionam sobre a legalidade de cobrança
de multas antigas, com mais de cinco anos.
A dúvida suscitada, quanto ao prazo
prescricional da multa decorrente de infração de trânsito é justificável, tendo
em vista que a Lei n° 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro,
não contempla dispositivo normatizando a prescrição.
O mesmo defeito já se verificava no estatuto
de trânsito precedente (Lei n° 5.108/66 – CNT). Naquela oportunidade, o
Conselho Nacional de Trânsito – CONTRAN editou a Resolução n° 812/96,
estabelecendo prazos prescricionais que variavam, conforme o caso, de 01 a 05
anos para a pretensão punitiva e, aplicada a penalidade, com o trânsito em
julgado dos recursos cabíveis, dispunha, ainda do prazo de 01 a 05 anos para a
execução da punição.
Aquela Resolução foi revogada pela Resolução
n° 148/2003, por força do parágrafo único do art. 314 do CTB, ao argumento que
não fora recepcionada pela ordem jurídica em vigor.
É mister esclarecer que a prescrição não
extingue o direito e sim a ação atribuída a um direito. Isto
é, operada a prescrição, o direito fica juridicamente desprotegido, em
conseqüência do não uso da ação a ele atribuída, durante um determinado tempo.
Essa lógica se explica na disposição do art.
882 do Código Civil, onde está consignada a norma segundo a qual “não se pode
repetir o que se pagou para solver dívida prescrita...”.
A Constituição Federal estabelece, em seu
art. 5°, XLVII, que “não haverá pena de caráter perpétuo”. No art. 146, I, “b”,
está definido que ‘cabe a lei complementar estabelecer normas gerais em matéria
de legislação tributária, especialmente sobre prescrição e decadência
tributárias”.
Significa dizer que, tanto a pretensão de
aplicar a pena quanto a de executá-la deve ter tempo certo para ocorrer. O
Código Civil estabelece que, “violado o direito, nasce para o titular a
pretensão, a qual se extingue, pela prescrição...” (Art. 189).
Ademais, encontra-se em vigor, a Lei Federal
n° 9.873/1999, estabelecendo prazo de prescrição para o exercício de ação
punitiva, restringindo sua aplicação, no entanto, à Administração Federal.
Não há, entretanto, norma expressa, dispondo
sobre a prescrição no âmbito da legislação de trânsito. Portanto, não existe
norma de direito estabelecendo prazo prescricional específica para a aplicação
e execução das infrações de trânsito.
Entretanto, o ordenamento jurídico não
contempla a possibilidade de penas perpétuas, privilegiando sempre a
reabilitação. Não se trata de conclamação à impunidade, mas de punições
proporcionais e razoáveis, inclusive quanto ao prazo para aplicação.
Assim, ainda que não haja disposição expressa
em norma de direito, de prazo prescricional para as sanções de trânsito, o
silêncio da lei deve ser suprido e o prazo prescricional reconhecido.
Portanto, o preenchimento da lacuna quanto a
prescrição relativa as infrações de trânsito deve ser feito com o
reconhecimento da validade do Decreto 20.910/32, conformado pelo Decreto-lei n°
4.597/42, que estabelece o prazo prescricional das dívidas passivas do Poder
Público.
O Decreto 20.910/32, combinado com as
disposições do Decreto-lei n° 4.597/42, estabelece o prazo prescricional de 05
(cinco) anos para a cobrança das dívidas passivas dos órgãos do Poder Público,
devendo ser aplicado também para a cobrança da dívida ativa de natureza
administrativa não tributária.
Essa orientação provém das decisões judiciais
mais recentes. Veja abaixo alguns exemplos:
ADMINISTRATIVO. MULTA DE TRÂNSITO. PRESCRIÇÃO. AÇÃO
DO ADMINISTRADO CONTRA A ADMINISTRAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRAZO QUINQUENAL PREVISTO
NO DECRETO Nº. 20.910/32.
1. A decisão agravada foi baseada na jurisprudência
assente desta Corte, no sentido de ser aplicável o prazo prescricional
quinquenal previsto no Decreto nº. 20.910/32, para se questionar a cobrança de
multa de trânsito.
2. Ressalte-se que o decisório impugnado não
afastou a reciprocidade de aplicação do referido Decreto à Administração, em
relação à sua pretensão punitiva. No entanto, a controvérsia foi decidida nos
limites em que foi submetida a esta Corte, reconhecendo a prescrição do próprio
direito de ação do administrado, o que impede a análise referente à alegada
prescrição da pretensão punitiva e executória, bem como de qualquer outra
questão referente ao ato administrativo.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1125987/RS,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/12/2010, DJe
03/02/2011);
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO. COBRANÇA DE MULTA
DE TRÂNSITO PELO ESTADO. PRESCRIÇÃO. RELAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO. CRÉDITO DE
NATUREZA ADMINISTRATIVA. INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CIVIL E DO CTN. DECRETO Nº.
20.910/32. PRINCÍPIO DA SIMETRIA.
1. A jurisprudência desta Corte, ainda que empreste
interpretação restritiva às regras de prescrição, tem analisado a matéria à luz
do disposto no artigo 1º do Decreto nº. 20.910/32, optando por reconhecer que
se deve considerar qüinqüenal o prazo para cobrança de multa de natureza
administrativa, sob pena de restar violado o princípio da simetria.
2. Orientação reafirmada por ocasião do julgamento
do REsp 1105442/RJ, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, submetido ao Colegiado pelo
regime da Lei nº. 11.672/08 (Lei dos Recursos Repetitivos), que introduziu o
artigo 543-C do CPC.
3. Agravo regimental não provido.
(AgRg no REsp 1087687/RS,
Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/05/2010, DJe
27/05/2010);
PROCESSO CIVIL E ADMINISTRATIVO COBRANÇA DE MULTA
PELO ESTADO PRESCRIÇÃO RELAÇÃO DE DIREITO PÚBLICO CRÉDITO DE NATUREZA
ADMINISTRATIVA INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO CIVIL E DO CTN DECRETO Nº. 20.910/32
PRINCÍPIO DA SIMETRIA.
1. Se a relação que deu origem ao crédito em
cobrança tem assento no Direito Público, não tem aplicação a prescrição
constante do Código Civil.
2. Uma vez que a exigência dos valores cobrados a
título de multa tem nascedouro num vínculo de natureza administrativa, não
representando, por isso, a exigência de crédito tributário, afasta-se do
tratamento da matéria a disciplina jurídica do CTN.
3. Incidência, na espécie, do Decreto nº.
20.910/32, porque à Administração Pública, na cobrança de seus créditos,
deve-se impor a mesma restrição aplicada ao administrado no que se refere às
dívidas passivas daquela. Aplicação do princípio da igualdade, corolário do
princípio da simetria.
4. Recurso especial provido.
(REsp 775117/RJ, Rel.
Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/08/2007, DJ 11/09/2007, p.
213).
AÇÃO ANULATORIA - Alienação de veículo a terceiro
sem efetuar a devida transferência, bem como a comunicação da venda aos órgãos
competentes - Inexigibilidade de multas - Inadmissibilidade - Responsabilidade
solidária do adquirente e do alienante quanto aos débitos existentes que
recaiam sobre o veículo automotor - Inteligência do artigo 134 do CTB -
Alegação referente à ocorrência da prescrição afastada - Resolução n°. 812/96
do CONTRAN, revogada pela Resolução n°. 148/2003, em razão da mesma ser
conflitante com o Código de Trânsito Brasileiro - Incidência da prescrição
qüinqüenal - Aplicação por analogia do disposto no artigo 1º do Decreto-Lei n°.
20.910/32 - Precedentes jurisprudenciais - Sentença mantida - Recurso
desprovido.
(AC
0002657-83.2008.8.26.0114 Comarca: Campinas - Relator: Wanderley José Federighi
julgado em 30/03/11 v.u);
MULTAS DE TRÂNSITO. Licenciamento e anulação de
multas. Prescrição afastada. Resolução n°. 812/96 do CONTRAN, revogada pela de
n°. 148/2003, por ser conflitante com o Código de Trânsito Brasileiro.
Prescrição qüinqüenal. Aplicação por analogia do disposto no artigo 1º do
Decreto-Lei n°. 20 910/32. Precedentes jurisprudenciais. Infrações com
vencimentos entre 21.09.2001 a 30.06.2003. Ação ajuizada em 09.06.2006,
portanto, antes da prescrição. Demanda improcedente, embora sob outro
fundamento. Recurso não provido, com observação.
(AC
0203220-47.2008.8.26.0000 Comarca de São Paulo Relator: Edson Ferreira julgado
em 31/03/10 v.u);
MULTAS DE TRÂNSITO. Cobrança de multa de trânsito
por empresa pública. Prescrição qüinqüenal configurada. Aplicação por analogia
do disposto no artigo 1° do Decreto-Lei n°. 20.910/32. Precedentes jurisprudenciais.
Infrações com vencimentos entre julho de 1997 e janeiro de 1999. Manutenção da
sentença que reconheceu a prescrição, mas por outro fundamento. Recurso não
provido.
(AC 9092321-91.2006.8.26.0000
Comarca de Santos - Relator: Edson Ferreira julgado em 11/11/09 v.u).
Concluímos, pois, que o prazo prescricional
para aplicação e execução das sanções administrativas de trânsito por parte do
Poder Público é de cinco anos contados da data da ocorrência do fato, sendo
este o mesmo prazo para a cobrança da dívida passiva dos entes estatais
previsto no Decreto 20.910/32, combinado com as disposições do Decreto-lei n°
4.597/42.
É mister consignar, por derradeiro, que
opera-se a suspensão do prazo prescricional durante a tramitação de recurso
administrativo relativo à infração de trânsito.
Fernando
Fonte:
Parecer CETRAN/SC 044/06, de lavra do Sr. Luiz Antonio de Souza, Relator. (com
adaptações) e da Apelação Cível nº 0004257-59.2009.8.26.0000,
da Comarca de Santos-SP